Matosinhos tem como frase publicitária o ser “terra de horizonte e MAR”. E tem história para isso: diz-se que o Senhor de Matosinhos arribou à praia de Matosinhos há vários séculos e é venerado pelos católicos da terra. Mas é também o mar de Matosinhos que recebe no século XIX o desembarque das forças liberais que derrotaram o absolutismo português. E foi também o mar de Matosinhos que, na primeira metade do século XX, viu desembarcar o pescado, em especial a sardinha, que, em tempo da segunda guerra mundial, matou a fome a muita gente e fez florescer uma indústria de conservas de peixe que deu trabalho a muita mão-de-obra. Mas o MAR é como a Língua Portuguesa muito belo mas muito traiçoeiro, e não são só rosas que a beleza do mar nos mostra, ele que não é igual em dia nenhum também traz as lágrimas aos olhos e as dores ao coração. E temos os roubos que ele nos faz de vidas humanas nas nossas imensas praias de Matosinhos, e as tragédias do século passado com navios de passageiros de longo curso como o Veronese ou o Porto para além dos desastres ecológicos como o do Jacob Maersk, o petroleiro que se incendiou quase na nossa praia principal. Mas a tragédia que mais marca o Mar da nossa terra foi o naufrágio de quatro traineiras no dia 2 de Dezembro de 1947 em que morreram 152 pescadores deixando dezenas de viúvas e órfãos. Foi o maior desastre da nossa costa.
Claro que havia muito mais coisas para justificar a “Terra de Horizonte e Mar”, mas foi a palavra MAR que me trouxe a este texto. É que este elemento que a natureza nos oferece para as alegrias e para as tristezas não faz escolhas como os homens e assim tanto delicia como devora ricos e pobres, saudáveis ou doentes, grandes e pequenos, bons e maus e de qualquer raça ou etnia. É frio e sem sentimentalismos. E o que me levou a olhar para isto? Foi o preço da vida humana! Afinal o homem avalia o preço de cada ser humano mas o MAR não. E algumas pessoas apercebem-se disso mas a outras passa despercebido. Vamos directos ao assunto.
Alguns milionários arriscam a vida com excentricidades e agora quatro dessas pessoas mais um técnico resolveram ir ver os destroços do Titanic (uma das maiores tragédias marítimas em tempo de paz) e infelizmente não voltaram a ver a luz do dia ficando no fundo do oceano. Mas como não se sabia o que se estava a passar foram – e muito justamente – mobilizados meios muito sofisticados de socorro que implicaram vários países como os EUA, Canadá, França, Grã-Bretanha e talvez outros mais. Balanço: gastaram-se fortunas com esses meios na justa, mas vã, tentativa de salvar 5 vidas humanas que sabiam o risco que corriam para satisfazer um “prazer”. Não houve comunicação social que não nos pusesse em dia sobre o acontecimento até com directos. Aqui a vida humana foi muito valorizada, pois para salvar as cinco vidas utilizaram-se muitos milhões de dólares. Já morreu um padre que um dia no púlpito na sua pregação disse – o que eu nunca confirmei – que o Titanic tinha lá uma placa que diria “nem Deus te pode afundar!”. Deus não o afundou mas ele continua a causar vítimas.
Mas também uns dias antes desta aventura com o mini-submarino, em pleno Mediterrâneo um barco tentou uma travessia para a Europa com cerca de 700 seres humanos que, não por “prazer” mas por “necessidade”, sabendo os riscos que corriam, e que criminosos exploraram com valores elevados para a travessia, afundou-se e provavelmente pereceram sepultados nas profundezas das águas mais de 600 pessoas.
Acresce dizer que a aviação havia detectado a embarcação superlotada mas não se sabe se fez alguma coisa válida para evitar a tragédia. Não eram milionários eram seres humanos como qualquer um de nós. Quantos países ofereceram meios sofisticados ou até meios simples para valorizarem estas centenas de vidas humanas? O que há de diferente entre o Mar do Atlântico e o Mar do Mediterrâneo? O que há de diferente entre os 5 do Atlântico e os 700 do Mediterrâneo? Tenho muita dificuldade em perceber! Sou mesmo muito “analfabeto da vida”.