A VIAGEM DO ELEFANTE

Professora e Caros Colegas,

Ofereci-me para ler e comentar o livro “A Viagem do Elefante”, da autoria do José Saramago e, se à partida suspeitei que iria ser um período de algum sacrifício, no fim achei que tenho arcaboiço para ler mais algum livro do grande autor. Foi efetivamente uma agradável surpresa. Mas vamos falar da obra e do modo como eu vi que o autor “conduziu” o Elefante.

Há para mim dois objetivos do autor nesta sua literatura de viagens – se o podemos incluir nesta categoria – e são complementares, embora um seja explicito e o outro implícito

O mais fácil de relatar é o explicito pois o próprio título da obra assim o diz: relatar a viagem em pleno século XVI de um elefante desde Lisboa a Viena, capital da Áustria, por terra, e durante um pequeno percurso também por mar, com todas as dificuldades que isso representa em termos logísticos, em especial pela imensa quantidade de fardos de palha e de litros de água que um animal de 4 toneladas consome diariamente mas também pela alimentação e descanso que era devido ao resto da comitiva, tanto a pessoas como a cavalos e bois. Por outro lado o caminho era muito acidentado por meio de montes e vales e por diversos tipos de clima desde calor a frio ao vento e até  à neve.

E a baixa velocidade a que se movimenta um animal de grande peso e também os carros de bois aumentou o grande sacrifício que as dezenas de pessoas que compunham a caravana tiveram de passar. O percurso preparado pelos portugueses no seu território terminou um pouco para lá da fronteira espanhola em Valladolid pois a partir daí o resto do percurso já foi orientado pelo monarca austríaco, o Arquiduque Maximiliano a quem tinha sido oferecido o elefante pelo rei português D. João III. E o percurso que começou em Lisboa passou por Espanha, atravessou o mar até Itália e chegou finalmente à Áustria com o Elefante à frente da comitiva por vontade do Arquiduque e de sua Esposa. Na descrição deste percurso, o tal dito objetivo explicito , o autor fez um relato que quase nos descreve a paisagem com cores e espaços bem definidos e o modo de ser dos principais elementos da caravana como se estivéssemos dentro da história. 

Depois há o objetivo implícito para o autor escrever este livro e, que para mim, é o de ridicularizar a utilização do poder e as mordomias das monarquias em geral mas essencialmente, e de um modo subtil, ironizar sobre a palavra dos evangelhos e das catequeses da igreja católica cujos conteúdos utiliza com propósito, ou até a despropósito,  mas sempre muito bem colocados.

Tendo eu dividido o livro em dois principais objetivos que, no meu ponto de vista, o autor teve, vou agora resumidamente falar do que me pareceu encontrar no ritmo de leitura e na observação do texto.

Como personagens principais o autor escolheu o indiano Subhro, o cornaca, isto é, o tratador e condutor do elefante, que percorre toda a obra, embora a partir da entrega ao novo dono passe a usar o nome de Fritz, e desde essa tomada de posse   o Arquiduque Maximiliano passa a ser também figura de relevo. Até à entrega do elefante ao Arquiduque a figura mais referenciada foi o comandante operacional do caravana e nos preparativos em Lisboa  o secretário do reino, Pero de Alcáçova Carneiro, uma vez que o rei D. João III quase não faz parte do texto. Claro está que só falei dos humanos porque quem é importante na obra é o Salomão, o elefante, que a partir de Valladolid passa a chamar-se Solimão. A mudança do nome do elefante e do cornaca deve-se simplesmente à vontade do todo poderoso Arquiduque porque quis cortar com o passado de ambos e porque tinha o tal poder para o fazer. Uma característica desta obra é o autor ter utilizado a letra minúscula em todos os nomes e em especial sempre que referia a Deus. A excepção a esta regra, e só algumas vezes, foi para o Salomão que teve inúmeras vezes o privilégio de ver o seu nome escrito com maiúscula. Outra característica deste livro é a quantidade de vezes que o autor mostra o seu elevado conhecimento sobre os evangelhos e as constantes referências que lhes faz usando a ironia como arma para os diminuir. Também anotei que José Saramago quase não faz parágrafos e usando pouco os diálogos quase sempre que o faz não utiliza as usuais formas de os sinalizar: leva tudo a direito separando as frases de cada pessoa por ponto final seguido da resposta em letra minúscula. Esta obra daria um belo filme de documentário em volta de um argumento linear: uma viagem de um elemento raro numa Europa do século XVI, um elefante indiano. Olhando para o esforço físico do elefante e dos elementos da caravana, exceptuando claro o Arquiduque e a Esposa, o filme seria um drama mas a ironia do autor torná-lo-ia numa comédia. Já imaginaram um ”milagre de Deus” à porta de uma Igreja italiana a pedido do Padre? Pois é, até o elefante de quatro toneladas se ajoelhou à frente do lugar de oração temendo a Deus! E o povo acreditou! 

Fazendo uma comparação, um pouco poética, este livro fez-me lembrar uma velha e rica árvore com um tronco forte que significa o elefante e a sua viagem. Sem o tronco não havia árvore nem havia a história para contar. Mas o tronco de uma árvore precisa de ramos e folhas para ser apreciada e foi isso que o autor aproveitou e utilizou o seu saber na descrição da movimentação da caravana e da crítica social para fazer essa ramagem que enfeita o tronco e o embeleza. Portanto, e para finalizar, o tronco da árvore (a viagem do elefante) é o “essencial” mas na verdade o que dá o prazer é a ramagem (a critica social e a ironia sobre a igreja católica) que é o “acessório”, mas é o que nos cativa. 

Meus Amigos, a quem não leu o livro aconselho a lê-lo para verificarem que também se pode ler José Saramago sem sacrifício. Este livro resultou de uma visita do escritor à cidade de Salzburgo e ter jantado no restaurante “O Elefante” com Gilda Lopes da Encarnação, leitora de Português na Universidade da cidade, e a professora lhe ter falado da viagem feita em 1551, lamentando, no fim, o autor o destino dado (transformadas em bengaleiro) às patas do elefante depois deste morrer dois anos depois de ter chegado à Áustria. E diz José Saramago que se não se tivesse apercebido da utilização das patas dianteiras do elefante depois de morto “talvez não tivesse escrito o livro” … e, já agora, eu não tinha tido que fazer este trabalho!

Obrigado pela vossa atenção e o vosso tempo. 

18/04/2023

José Maria Reis

                                                                                                                (escrito pelo antigo acordo ortográfico)

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